Dados históricos que comprovam o Sacramento da Penitência na Igreja

ORÍGENES (185-254 D.C.)

“Além destas três, há ainda uma sétima [razão], embora dura e trabalhosa: a remissão dos pecados através da penitência, quando o pecador lava seu travesseiro com lágrimas, quando suas lágrimas são seu sustento dia e noite, quando não pára de declarar seu pecado ao sacerdote do Senhor, nem deixa de buscar o remédio, à maneira de quem diz: “Diante do Senhor acusarei a mim mesmo quanto as minhas iniqüidade e Tu perdoarás a deslealdade do meu coração”

TERTULIANO [220 D.C]

“Ó, Jesus Cristo, Senhor meu! Concede aos teus servidores a graça de conhecer e aprender da minha boca a disciplina da penitência, porém no tanto quanto lhes convém e nunca para pecar. Em outra palavras, que após [o batismo] não precisem conhecer a penitência, nem pedí-la. Me repugna mencionar aqui a segunda, ou melhor dizendo neste caso, a última penitência. Temo que, ao falar do remédio da penitência, que se guarda como reserva, pareça sugerir que existe todavia um tempo em que se possa pecar”.

SÃO CIPRIANO (258 D.C.)

“Vos exorto, irmãos caríssimos, que cada um de vós confesse o seu pecado, enquanto o pecador viver ainda neste mundo, ou seja, enquanto sua confissão puder ser aceita, enquanto a satisfação e o perdão outorgado pelos sacerdotes puderem ser agradáveis a Deus”

SANTO HIPÓLITO MÁRTIR (~235 D.C.)

“Pai, que conheces os corações: concede a este teu servo que elegeste para o episcopado (…) que, em razão do Espírito do sacerdócio soberano, tenha o poder de perdoar os pecados (facultatem remittendi peccata), segundo o teu mandamento; que distribua as partes conforme o teu preceito e que desamarre todo nó da iniqüidade (solvendi omne vinculum iniquitatis), segundo a autoridade que deste aos Apóstolos”.

CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS (SÉC. IV D.C.)

“Outorga-lhe [aos Bispo que seriam ordenados] , Senhor Todo-Poderoso, através de Cristo, a participação em Teu Santo Espírito, para que possua o poder de perdoar os pecados, conforme o Teu preceito e Tua ordem, para desamarrar todo nó, qualquer que seja, de acordo com o poder que outorgaste aos Apóstolos”.

SANTO AMBRÓSIO DE MILÃO (340-396 D.C.)

“[Os novacianos] professam demonstrar reverência ao Senhor reservando somente a Ele o poder de perdoar os pecados. Maior erro não podem cometer ao buscar rescindir Suas ordens, desfazendo o ofício que Ele conferiu. A Igreja [católica] O obedece em ambos os aspectos, ao ligar e ao desligar o pecado, porque o Senhor quis que ambos os poderes fossem iguais”.

SANTO AGOSTINHO DE HIPONA (354-430 D.C)

“Não escutemos aqueles que negam que a Igreja de Deus possui o poder para perdoar todos os pecados”.

CONCLUSÃO

Para finalizar, citaremos brevemente outros testemunhos claros. São Paciano, bispo de Barcelona (+390 d.C.) escreveu acerca do perdão dos pecados:

“Isto que tu dizes, somente Deus pode fazê-lo. Bastante correto; porém, quando o faz através de Seus sacerdotes, o faz por Seu próprio poder”.

E Santo Atanásio (295-373 d.C.) escreveu:

“Assim como o homem batizado pelo sacerdote é iluminado pela graça do Espírito Santo, assim também aquele que em penitência confessa os seus pecados recebe o perdão, através do sacerdote, em virtude da graça de Cristo”.

Estas evidências demonstram que a Igreja sempre teve plena consciência de ter recebido de Cristo a faculdade de perdoar os pecados e considerou este dom como parte do Depósito da Fé. Surpreendentemente, tanto os padres do Oriente quanto os do Ocidente interpretaram as palavras de Cristo tal como fazem os católicos mais de vinte séculos depois. É evidente, portanto, que o Concílio de Trento apenas fez eco daquilo que já era ensinado pela Igreja contra os hereges dos primeiros séculos.

Cartlos Francisco
Comunidade Filhos da Redenção

Sobre o Sacramento da Penitência

(Por Carlos Francisco Bonard)

sacramento da penitência

Vamos continuar desenvolvendo aspectos do sacramento da penitência.

O NOME

Hoje em dia, até por uma questão de cativar os cristãos diz-se “Sacramento da reconciliação/confissão”. Essa denominação foi se afirmando gradativamente sendo, inclusive, introduzida na linguagem teológica devido à importância, cada vez maior, que era dada a “confissão-acusação” do pecado. É fato, contudo, que essa forma de definir o sacramento é pobre e carece correção vez que só privilegia um dos momentos do sacramento.

Sacramento da Penitência é o nome mais antigo (como demonstraremos) e correto.  O termo penitência provém do latim e entre os não cristãos significava “sofrer a pena e a dor[1] (portanto o arrependimento) pelo delito cometido”. Mas nos primeiros autores cristãos o termo aparece como tradução do grego metànoia que significa “mudança de animo-pensamento-atitude interior”, no sentido de mudança radical (“vai e não peques mais”).

A PENITÊNCIA NO AT

No AT é conhecida a prática do jejum que, criando através da “aflição” exterior a interior “aflição da alma” diante de Deus (cf. Lv 6, 29.31; 23, 27.32; Nm 29, 7; Is 58, 3, etc.), ajuda o ser humano a entrar em contato com Deus. Esse jejum pode servir como “preparação” ao encontro (revelação-visão) de Deus (Ex 34, 28; Dt 9, 9; 10, 2), ou como meio de “reparação” do contato interrompido pelo pecado; neste caso o jejum “aplaca” Deus e cessa os flagelos com os quais ele “pune” o pecado (1Sm 7, 6; 2Sm 12, 16s; Jz 20, 26, etc.). Seja como for o jejum sempre estará unido a oração (Jr 14, 12; Esd 8, 21.23; Ne 1, 4, etc.) a ponto de ambos identificarem-se (jejum=oração, e vice-versa); mas muitas vezes, sobretudo quando tem valor “penitencial”, é acompanhado também pela confissão dos pecados:

“Reuniram-se em Masfa, tiraram água, derramaram-na diante do Senhor, e jejuaram aquele dia, dizendo: Pecamos contra o Senhor. Samuel era juiz de Israel em Masfa.” (1Sm 7, 6)

“No vigésimo quarto dia do mesmo mês, vestidos de sacos, e com a cabeça coberta de pó, os israelitas reuniram-se para um jejum. Os que eram de origem israelita estavam separados de todos os estrangeiros, e apresentaram-se para confessar seus pecados e as iniqüidades de seus pais.” (Ne 9, 1)

A Penitência que se exprime no jejum e na oração pública a Deus é considerada válida pelos profetas somente se chegar a ser sinal da interior conversão (metànoia) a Deus.

Sem se alongar no discurso profético sobre a “Penitência-conversão”, podemos perceber que esta se concentra e se concretiza principalmente no “buscar” o Deus da aliança (cf. Dt 4, 29; 1Cr 16, 11; Sl 68, 33; 104, 4; Os 10, 12; Is 51, 1; 55, 6s; Dn 3, 41; …) ou, que é o caso estudado, no “retornar” a Ele (Os 6, 1; Jl 4, 6.8.9.10.11).

A PENITÊNCIA EM JOÃO BATISTA

João Batista representa o mesmo e antigo tema da Penitência-conversão, que em seu anúncio é um movimento que a esta altura deve envolver todos, judeus e pagãos (Mt 3, 7s; Lc 3, 14). Essa Penitência–conversão é preparação do caminho do Senhor que vem (Mc 1, 2-4.7): o sinal dessa preparação está no aceitar o “Batismo de Penitência”, que dará necessária purificação àqueles que dele se aproximam “confessando os vossos pecados” (Mt 3, 6; Mc 1, 5).

E saíam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, e eram batizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados”(Mc 1, 5). Do batismo de João faz parte a confissão – declaração dos pecados; o judaísmo daquele tempo conhecia, de fato, várias confissões formalmente genéricas dos pecados, mas também a confissão totalmente pessoal, na qual eram enumerados cada um dos atos pecaminosos[2].

O EVANGELHO DE MARCOS E A QUESTÃO DO PERDÃO DOS PECADOS EM CRISTO

Demonstrado a questão no Antigo Testamento, nos ateremos em Cristo e a problemática com os escribas.

Alguns dias depois, Jesus entrou novamente em Cafarnaum e souberam que ele estava em casa. (…) Trouxeram-lhe um paralítico, carregado por quatro homens. (…)Jesus, vendo-lhes a fé, disse ao paralítico: “Filho, perdoados te são os pecados.” Ora, estavam ali sentados alguns escribas, que diziam uns aos outros: “Como pode este homem falar assim? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados senão Deus?”” (Mc 2, 1.3.5-7).

O capítulo 2 de Marcos vai começar a nos apresentar as controvérsias de Jesus com as autoridades[3]. Por ora nos ateremos sobre a questão da paralisia/enfermidade do homem.

De modo análogo à lepra (Mc 1, 40-45), a paralisia era considerada um castigo divino (Cf. Lv 13-14 = sobre a lepra)[4]. No evangelho de João encontramos também a questão do castigo maldição pelo pecado (Jo 9, 2-4) que traz resquícios do decálogo (Ex 20, 5-6)onde fala-se que quem peca contra Deus receberá o seu castigo, que dependendo do tamanho poderá prolongar-se até à terceira ou quarta geração. Também é preciso ter em conta que todo o enfermo era considerado impuro na tradição dos judeus. O que lhes reservava um tratamento preconceituoso.

Vendo a fé deles Jesus não cura o paralítico, mas perdoa seus pecados. O quadro de fé é complexo, mas atendo-se apenas a resposta inicial de Jesus, deve-se ter em conta que aqui ele está tomando o lugar de Deus, isto é, ele está confirmando na prática o que o possesso dissera sobre ele um capítulo antes (Mc 1, 24). E esse é um dado que vai explicar o que virá.

O perdão dos pecados causa escândalo aos donos do perdão (os homens da lei sobre o perdão que, como já dito, já existia no AT) a misericórdia e a justiça são um novo paradigma (Mt 5, 20). Essa situação (perdão dos pecados) quebraria uma engrenagem que justificaria a miséria do povo e se oporia a um universo que havia feito do sagrado “um covil de ladrões” (Jr 7, 11; Lc 19, 46).

Jesus não fala de castigo, mas de perdão. Essa mensagem não foi capitada pelo povo, mas para os escribas a atitude de Jesus é bem clara: Jesus afirma ser o Santo de Deus, pois só Deus podia perdoar pecados (Is 43, 25; 44, 22; Sl 103, 3). De fato a multidão não consegue correlacionar a cura com o perdão dos pecados. No entanto Jesus é direto: se a enfermidade é resultado do pecado, tira-se o pecado e a enfermidade desaparece (Cf. Jo 9, 2-3).

Estavam ali sentados alguns escribas” … estar sentado, na tradição rabínica significa ter uma certa autoridade, ter um certo poder[5]. Por outro lado quem fica sentado fica a espera, sem pressa tomando conta de algo[6]. É interessante, para visualização, lembrar o cordeiro sentado no trono no livro do Apocalipse. De fato os escribas estavam ali não como peregrinos mas como “fiscais da fé” e aqui temos um novo quadro onde os escribas, ao acusarem Jesus em seus corações[7], formam, o qual serei mais uma vez pontual (para não me tornar pedagogicamente cansativo).

A blasfêmia de Jesus teria conseqüências terríveis na tradição judaica (Lv 9, 10-16; 24, 16; Nm 15, 30), e por isso a resposta de Jesus é imediata ao perguntar “Que é mais fácil dizer ao paralítico: Os pecados te são perdoados, ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda?” assim os escribas seriam testemunhas oculares e auriculares do que ocorreu. Se é Deus quem machuca (interpretação puramente mitológica que existe ainda hoje) só Ele pode restaurar a saúde (cabendo aos sacerdotes verificar a cura, Lv 13-14). Se só Deus pode perdoar os pecados logo quem perdoa blasfema o nome de Deus (Lv 26, 16; Nm 15, 30). Nesta esteira Jesus diz: “Afim de que saibais que o Filho do Homem tem poder/autoridade, eu ordeno”. Aqui Jesus revela a natureza e origem de sua Messianidade.

Todos estes fatos e mais outros (como o discurso eclesiológico de Mt 18, as parábolas da ovelha perdida, da mulher que perde um dracma e do filho pródigo, todas estas em Lc 15) aliados, esclarecem como era a vontade do Senhor no tocante ao pecado. Essa vontade, e esse poder dado a ele, como Filho do Homem, mas não só a ele como também, por ele (Cristo) “dado aos homes por Deus” (Mt 9, 8) nos fará conjugar a passagem de Mateus 18, 18:

“Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu.”

Jesus, de fato, não remite os pecados (Mt 9, 6; Lc 7, 48) graças a sua divindade, mas é Deus que, através da sua humanidade tornada “sacramento da salvação”, remite os pecados. A ação de Cristo é, com efeito, uma ação sacramental, porque a realidade da salvação-reconciliação chega ao ser humano através do “sinal” daquela humanidade de Cristo na qual Deus “reconciliou consigo” todos os seres humanos. Isso explica, por hora, duas coisas:

  1. O porquê a Missa, que é um sacrifício, é oferecida toda ao Pai;
  2. Como, de forma simples, se dá a eficácia de todos os sacramentos[8].

Se essa realidade da salvação-reconciliação que chega ao ser humano em Cristo e por Cristo – essa relação entre o ser humano reconciliado e Deus – era a missão própria de Cristo (Jo 3, 16; Rm 8, 23) quando ele (Cristo) “envia seus discípulos da mesma forma que o Pai o enviou” (Jo 20, 21) – dando-lhes a sua missão – ele nada mais faz do que “confiar-lhes o ministério e a palavra da reconciliação” (2 Cor 5, 18), dizendo-lhes:

Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.”(Jo 20, 23)

Esse ministério dado aos apóstolos é precisamente o mesmo aspecto “ministerial” atribuído àquele (Cristo) ao qual é “dado [por Deus] o poder de remitir os pecados”, demonstrando-nos tratar-se sempre, e tão somente, de uma concretização particular e determinada daquela universal “reconciliação” que Cristo operou “uma vez por todas”.

Esse ministério da reconciliação encontrou na Igreja uma dupla aplicação: no Sacramento do Batismo e no Sacramento da Penitência. Sendo que o batismo tem uma potencialidade mais ampla e mais positiva, vez que cria no ser humano, de fato, uma relação com Deus totalmente nova, fundamental e indestrutível.

Mas o Sacramento da Penitência, ou “segundo batismo[9]”, ou “tábua da salvação” (nomes dados por uma antiquíssima tradição dos séculos II-III)[10], na qual há uma remissão dos pecados depois do batismo, não pode perder o seu caráter de reconciliação operada por Cristo, vez que só por meio desta única reconciliação somos justificados (2Cor 5, 21; Rm 5, 9-10).

Chegamos a estas conclusões, ou a melhores entendimentos, pela nossa razão:

“[ O Sacramento da Penitência ] … é “uma segunda tábua após o naufrágio”, a qual pode agarrar-se quem naufragou pelo pecado mortal, enquanto esta nessa vida, podendo fazê-lo, quando e quantas vezes implorar a clemência divina. As partes integrantes da penitência são: a contrição do coração, a confissão oral e a satisfação pelas obras(…)[11].

Interessante, inclusive ver opiniões contrárias ao termo “segunda tábua da salvação” como nos fala Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica III PARTE (Questão 84 – A Penitência quanto SACRAMENTO):

Quanto ao sexto [ artigo ] , assim se procede: parece que a penitência não é a segunda tábua após o naufrágio. Com efeito a respeito do texto; “Proclamam o seu pecado como Sodoma” comenta a Glosa: “Esconder os pecados é a segunda tábua depois do naufrágio”. Ora, a penitência não esconde os pecados, mas antes os revela. Logo, a penitência não é a segunda tábua. Alem disso o fundamento em um edifício ocupa o primeiro lugar e não o segundo. Ora, a penitencia no edifício espiritual é o fundamento conforme a Carta aos Hebreus “Não queremos agora insistir nas noções fundamentais da conversão[12], da renúncia ao pecado[13], da fé em Deus”(Hb 6, 1b). Por isso ela [ a Penitência ] deve proceder ao próprio Batismo conforme que se lê “Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo” (Atos 2, 38). Logo a penitência não deve ser considerada a segunda tábua. Ademais todos os sacramentos são, sob certos aspectos, tábuas[14] (…) Ora, a penitência não ocupa o segundo lugar entre os sacramentos”.

Perceba que se pode discutir nomenclaturas, mas não o fato “Sacramento da Penitência”, conforme será reiterado mais adiante.

Na realidade, 2Cor 5, 18-19, ao afirmar que Cristo “confiou aos apóstolos o ministério e a palavra da reconciliação”, não está pensando apenas no anuncio (“palavra”) e no “ministério da reconciliação” que se exerce sobre os não cristãos, mas tendo em vista, no caso, sobretudo os pecadores já cristãos. Paulo, de fato, escreve aos cristãos de Corinto (2Cor 1,1) dizendo-lhes: “Em nome de Cristo, vos suplicamos: reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5, 20); e prossegue dizendo que “o tempo da salvação” não se fechou com o Batismo , mas dura também “agora”. E é justamente neste tempo que os apóstolos, como colaboradores da missão, exortam para que os cristãos “não recebais a graça de Deus em vão” (2Cor 6, 1-2) que chega a eles através do “ministério da reconciliação”. Ora, por lógica, não há que se falar em reconciliação a um cristão [ batizado ] se não for no contexto do Sacramento da Penitência.

Tendo argumentado na bíblia fecho esse raciocínio voltando a Mt 18, 18 e utilizando o catecismo da Igreja (CIC 1444 e 1445):

Conferindo aos apóstolos seu próprio poder de perdoar os pecados, o Senhor também lhes dá a autoridade de reconciliar os pecadores com a Igreja. Esta dimensão eclesial de sua tarefa exprime-se principalmente na solene palavra de Cristo a Simão Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus, e o que ligares na terra ser ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19). “O múnus de ligar e desligar, que foi dado a Pedro, consta que também foi dado ao colégio do apóstolos, unido a seu chefe (cf. Mt 18,18; 28,16-20).”

As palavras ligar e desligar significam: aquele que excluirdes da vossa comunhão, será excluído da comunhão com Deus; aquele que receberdes de novo na vossa comunhão, Deus o acolherá também na sua. A reconciliação com a Igreja é inseparável da reconciliação com Deus”.

Logo a confissão dos Pecados, ou Sacramento da Penitência não foi uma invenção da Igreja Católica ou dos Homens, mas um ministério instituído por Cristo e confiado aos Apóstolos e seus sucessores.

“O sacramento da Penitência oferece ao pecador “uma nova possibilidade de se converter e reencontrar a graça da justificação”, obtida pelo sacrifício de Cristo. Fica assim inserido novamente na vida de Deus e com plena participação na vida da Igreja. Confessando os seus pecados, o crente recebe verdadeiramente o perdão e pode tomar parte de novo na Eucaristia, como sinal da recuperada comunhão com o Pai e com a sua Igreja[15]”.

Concluo com o pensamento de Santo Tomás de Aquino novamente na Suma Teológica III PARTE (Questão 84 – Artigo 1):

“assim como o Batismo purifica do pecado, assim também a penitência. Daí se entende o que São Pedro disse a Simão: “faça penitência, por tanto, da tua maldade”. Ora, o Batismo é um Sacramento. Logo, pela mesma razão, a penitência”.

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[1] Marsili, Salvatore. Sinais do mistério de Cristo, p. 431;

[2] Gnilka Das Matthäusevangelium I, p. 68;

[3] Deste episódio até o capítulo 3, 6 de Marcos encontramos 5 sinais de controvérsias de Jesus com as autoridades que culminarão com a decisão de eliminar Jesus;

[4] Mazzarolo, Isidoro, Evangelho de Marcos, p. 84;

[5] Mazzarolo, Isidoro – Evangelho de Marcos, p. 86;

[6] Mazzarolo, Isidoro – Evangelho de Marcos, p. 86;

[7] Tradução mais correta era que eles não externaram, mas tinham este pensamento no coração (lêb, do hebraico) ou no seu interior – tradução da bíblia de Jerusalem);

[8] Infelizmente a explicação sobre os sacramentos e sua eficácia são extensos e não cabem neste trabalho;

[9] Não que aquele (primeiro e único batismo) se repita, vez tratar-se de um rito distinto;

[10] Marsili, Salvatore. Sinais do mistério de Cristo, p. 441;

[11] Bagnoregio, Boaventura. Escritos Filosóficos-Teológicos, p. 246

[12] Ou “artigos fundamentais” – que servem de base;

[13] Ou “das obras mortas” – realizadas sem a fé;

[14] No sentido de “remédios contra o pecado”;

[15] Paulo II, João. Bula pontifícia Incarnationis mysterium. N 9;

A Penitência

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Vamos tentar abordar as questões que giram em torno do perdão de Deus, que falamos no texto sobre misericórdia.

Comecemos pela questão da penitência que tem um duplo sentido.

Primeiramente, falemos da penitência como a ação de não querer mais ofender a Deus, e de odiar o nosso pecado. Aqui, penitência é sinônimo de arrependimento.

Seria um firme propósito de mudar de vida, por assim dizer. É a ideia da metanoia no discurso de João Batista:

“Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho[1].” (São Marcos 1, 15)

Em algumas traduções bíblicas leremos arrependei-vos e crede no Evangelho. Essa é a chamada Penitência Interior, que não visa obras exteriores como as vestimentas de sacos e cinzas na cabeça (Jeremias 6, 26), mas o verdadeiro arrependimento do qual as obras exteriores são um reflexo. Sem ela, jejuns e penitências de nada servem.

Há um dinamismo entre conversão e penitência, e Jesus deixa isso explicito de forma muito bela quando nos conta a parábola do “filho pródigo”, cujo centro é o pai misericordioso. Como o Catecismo nos indica no número 1439:

O fascínio de uma liberdade ilusória, o abandono da casa paterna; a extrema miséria em que se encontra o filho depois de esbanjar sua fortuna; a profunda humilhação de ver-se obrigado a cuidar dos porcos e, pior ainda, de querer matar a fome com a sua ração; a reflexão sobre os bens perdidos; o arrependimento e a decisão de declarar-se culpado diante do pai; o caminho de volta; o generoso acolhimento da parte do pai; a alegria do pai: tudo isso são traços específicos do processo de conversão. A bela túnica, o anel e o banquete da festa são símbolos desta nova vida, pura, digna, cheia de alegria, que é a vida do homem que volta a Deus e ao seio de sua família, que é a Igreja. Só o coração de Cristo que conhece as profundezas do amor do Pai pôde revelar-nos o abismo de sua misericórdia de uma maneira tão simples e tão bela.

Vejamos que, arrependido, o jovem rico cai em si e decide voltar para o seu pai fazendo um ato de contrição “Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados” (Lc 15, 18b-19).

Com atos o jovem rico decide sair da vida em que vivia, e voltar-se ao pai. Sua conversão se traduz no caminhar de volta, sua penitência está no declarar-se culpado, no despojar-se dos seus benefícios e ser tratado como um empregado.

O pai, contudo, misericordioso que é, de longe ao vê-lo, já vai ao seu encontro e lhe restitui a dignidade perdida.

Nós podemos viver essa misericórdia de Deus, gratuitamente, toda vez que, com o coração sincero, nos aproximamos do Sacramento da Penitência.

Nos diz a Lumen Gentium:

Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência, obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, que tinham ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade, exemplo e oração, trabalha pela sua conversão (LG 11)

De fato, o Sacramento da Penitência é a certeza de que estamos reconciliados com Deus e com a Igreja. Por mais que, as vezes relutemos a procurar a confissão pelas mais variadas vergonhas, é quando a procuramos que nosso coração se torna leve.

Curioso como as vezes fugimos do sacramento por vergonha, assim como Adão e Eva se escondiam de Deus no jardim, também por vergonha.

Não fujamos da ação de Deus, presente no Sacramento, pois pela sua morte na cruz, Jesus redimiu o homem do pecado e da morte eterna, seu efeito. Justo no dia da sua ressurreição Jesus institui o sacramento da penitencia, dando aos apóstolos o poder que só ele tinha: o de perdoar pecados (Jo 20, 19-23).

Veremos melhor esta instituição nas próximas semanas.

Carlos Francisco
Comunidade Filhos da Redenção

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[1]Evangelho no sentido de Boa Nova de Atos 13,32-33 (ver CIC 422);

A misericórdia de Deus

céu

Deus nos ama e nos quer próximos. Não devemos duvidar disto, até por que as próprias escrituras Sagradas nos atestam este amor. (I Tm 2, 3-4)

Em Deus, o ato de amar se converte na sua constante tentativa de nos salvar, pois é próprio de quem ama querer estar perto. Porém, esse amor de Deus também nos dá a liberdade.

Em suma, usando cada um a sua liberdade podemos corresponder ao amor de Deus, nos aproximando ou nos afastando Dele. E ainda que nos afastemos, ele continuará nos amando.

O mau uso da nossa liberdade pode nos levar ao pecado, e esse pecado sempre nos trará consequências – não só a nós como também a outros.

Por isso, por conta da consequência do pecado, não basta que nos arrependamos dele, devemos reparar o mal que fizemos. De que adianta difamar ou injuriar alguém, por exemplo, e se arrepender depois? Podemos reparar todo o mal que a mentira causou nessa pessoa? E se matamos alguém? Como reparar a vida dos familiares desta pessoa, e todas as consequências que esta morte trouxe?

As vezes é impossível reparar um mal.

Por isso todo o pecado tem uma dupla consequência: a pena eterna, e a pena temporal.

A pena eterna é a consequência natural do afastamento que temos de Deus quando estamos em pecado. Esta pena é aplacada com o sacramento da reconciliação.

Contudo, permanece a pena temporal, pois todo o pecado, até mesmo os veniais, ou necessitam de uma reparação que nos é impossível, ou nos dá um apego prejudicial as criaturas e coisas, que prejudicam a nossa purificação.

Deus é todo santo, e Nele é impossível haver pecado.

Isso significa que seria impossível para nós, sem uma completa purificação, estar junto de Deus. Não por que ele não quer, mas por que a restauração da comunhão com Deus tem de ser completa.

Essa restauração pode ser completa através de uma ardente caridade, das obras de misericórdia, da oração e das práticas de penitência, de modo que se possa despojar do homem velho, e revestir-se do homem novo conforme Efésios 4, 23-24.

Aliás, como diz esta passagem de Efésios, o homem novo é “criado à imagem de Deus” e vive em “verdadeira justiça e santidade”.

Mas o que isso tem a ver com misericórdia?

Sejamos sinceros e façamos uma auto análise. Ainda que queiramos estar juntos de Deus, e o amemos, tem coisas as quais nos apegamos? Será que vivemos conforme a vontade de Deus? Será que fazemos a caridade como deveríamos? Será que amamos o nosso próximo?

“Ora, e isso é tremendo, este mar de misericórdia não pode penetrar em nosso coração enquanto não tivermos perdoado aos que nos ofenderam. O amor, como o Corpo de Cristo, é indivisível: não podemos amar o Deus que não vemos, se não amamos o irmão, a irmã, que vemos. Recusando-nos a perdoar nossos irmãos e irmãs, nosso coração se fecha, sua dureza o torna impermeável ao amor misericordioso do Pai confessando nosso pecado, nosso coração se abre à sua graça”. (Catecismo 2840)

Será que estamos em comunhão com Deus, de modo que possamos viver com Ele a vida eterna?

Aos homens isto é impossível, mas a Deus tudo é possível”. (São Mateus 19, 26)

impossível não é vivermos em comunhão plena com Deus, mas é muito difícil.

Pensando nisso, e por amor, por misericórdia, Deus nos deu o purgatório.

Se dissermos: ‘Não temos pecado’, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos nossos pecados, Ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça” (1Jo 1,8-9).

Deus nos perdoará de toda a injustiça, inclusive das nossas injustiças para com os outros.

O purgatório é o caminho final para a purificação daqueles que morreram na amizade de Deus. Graças a ele, aqueles que morreram na graça e amizade de Deus não perdem a vida eterna.

Deus nos ama tanto que nos deu uma via de completar o caminho da salvação a aqueles que não a alcançaram completamente aqui.

Misericórdia é compadecer das misérias do outro. É isso que Deus fez por nós.

Tamanho é o amor de Deus por nós que nos justifica não só dando seu Filho único em expiação dos nossos pecados, mas também completando o que falta em nós a fim de nos salvar.

O Catecismo diz:

“A justificação é a obra mais excelente do amor de Deus, manifestado em Cristo Jesus e concedido pelo Espírito Santo. Santo Agostinho pensa que “a justificação do ímpio é uma obra maior que a criação dos céus e da terra”, pois “os céus e a terra passarão, ao passo que a salvação e a justificação dos eleitos permanecerão para sempre”. Pensa até que a justificação dos pecadores é uma obra maior que a criação dos anjos na justiça, pelo fato de testemunhar uma misericórdia maior”. (1994)

Que possamos refletir muito no tamanho desse amor de Deus, e possamos fazer a nossa parte. Deus demonstra o tamanho da sua onipotência na forma paternal como cuida da nossa maior necessidade, a nossa salvação.

Serei para vós um Pai e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor todo-poderoso” (II Cor 6, 18).

Deus também nos mostra sua onipotência paternal por sua misericórdia infinita, pois mostra seu poder no mais alto grau, perdoando livremente os pecados.

Acolhamos esse amor que nos quer salvar.

O Senhor não retarda o cumprimento de sua promessa, como alguns pensam, mas usa da paciência para convosco. Não quer que alguém pereça; ao contrário, quer que todos se arrependam”. (II Pd 3, 9)

Carlos Francisco
Comunidade Filhos da Redenção